CÉDULA DE PRODUTO RURAL – POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI

CÉDULA DE PRODUTO RURAL – POSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI

RECURSO DE APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FALTA DE DIALETICIDADE. PRELIMINAR REJEITADA. MÉRITO. EXISTÊNCIA DE DUAS CÉDULAS DE PRODUTO RURAL EMITIDAS A TÍTULO DE PROTEÇÃO DOS RISCOS DE FLUTUAÇÃO DO VALOR DO PRODUTO NO MERCADO FUTURO. IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI DAS REFERIDAS CAMBIAIS. FRAUDE E COAÇÃO NÃO DEMONSTRADAS. EXISTÊNCIA DE UM TÍTULO EMITIDO PARA FINANCIAMENTO DE SAFRA. POSSIBILIDADE DISCUSSÃO DA CAUSA DEBENDI EM RELAÇÃO A ELE. TÍTULO QUE NÃO CIRCULOU. ENTREGA INTEGRAL DOS INSUMOS AGRÍCOLA PELA CREDORA. NÃO DEMONSTRAÇÃO. PERÍCIA REALIZADA NÃO ATENDEU O SEU MISTER. REQUISITOS PARA EXECUTIVIDADE NÃO PREENCHIDOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. O art. 1.010, II, do CPC, consubstancia o princípio da dialeticidade recursal, exigindo expressamente que o recurso contenha as razões de fato e de direito que amparam a irresignação à decisão impugnada. 2. O Superior Tribunal de Justiça tem firmado entendimento no sentido de que a mera circunstância de consistir o recurso em cópia do conteúdo já lançado nos autos, por si só, não implica violação ao princípio da dialeticidade, desde que pelas razões possa-se vislumbrar o interesse na reforma da decisão, como ocorre na hipótese. 3. No caso, diante da própria afirmação dos embargantes/apelantes, de que as CPR’s nº. 03/10/2013 e, nº. 03/09/2015 não foram firmadas para finalidade de fomento da atividade, o que leva à conclusão de que foram firmadas/emitidas a título de proteção dos riscos de flutuação do valor do produto no mercado futuro, circunstância que afasta a possibilidade de discussão da causa debendi, ensejando a aplicação literal da norma prevista no art. 4º, ambos da Lei nº. 8.929/94.4. Até porque, os embargantes/apelantes afirmam que tais CPR’s são fruto de fraude e coação, contudo, não fizeram nenhuma prova acerca da existência dos alegados vícios, que pudesse dar ensejo à anulabilidade aos referidos títulos. 5. Com efeito, de acordo com o inciso II, do artigo 171, do Código Civil, o negócio jurídico somente pode ser declarado anulável, quando plenamente demonstrada a existência de vício de consentimento (resultante de resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores) ou de uma situação que evidencie a mácula do negócio jurídico (porque o vício de consentimento não se presume), o que não ocorreu na hipótese. 6. Assim, não tendo sido referidas cédulas de produto rural (nº. 03/10/2013 e nº. 03/09/2015) firmadas a fim de fomentar a lavoura (consoante afirmação dos próprios embargantes/apelantes), e não demonstrada a existência de defeito de negócio jurídico resultante de vício (erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão) que pudesse macular os títulos de crédito em questão, os referidos títulos devem ser considerados hígidos para embasarem a ação de execução. 7. Destaca-se que, a higidez de tais cédulas se corrobora pela entrega de 185.765,833 sacas de soja pelos embargantes/apelantes à embargada/apelada, uma vez que, se não fossem elas válidas não haveria o porquê de ser entregue quantia maior do que aquela expressa na CPR nº. 03/05/2012, qual seja, de 62.000 (sessenta e duas mil) sacas, de 60kg cada. 8. Aliás, importa salientar que, no que diz respeito à CPR nº. 03/05/2012, com vencimento em 28/02/2014, na qual o executado obrigou-se a entregar a quantidade de 3.720.000 kg (três milhões, setecentos e vinte mil quilos) de soja em grãos, equivalente a 62.000 (sessenta e duas mil) sacas, de 60kg cada, os embargantes/apelantes afirmam que foi ela firmada a fim de fomentar a lavoura (safra 2013/2014), sendo possível, portanto, a discussão da causa debendi. 9. Com efeito, quanto à referida CPR, os embargantes/apelantes sustentam que a apelada não cumpriu com suas obrigações, pois não forneceu a totalidade de insumos agrícolas para o plantio da safra, de maneira que cabia à demandada a juntada de todos os comprovantes/notas fiscais que atestassem a exigibilidade do título pelo embargante/apelante no total pactuado, ônus do qual não se desincumbiu. 10. Ora, com o propósito de demonstrar que efetivamente entregou a integralidade dos insumos adquiridos pelos embargantes/apelantes, bastaria que a embargada/apelada juntasse as respectivas notas fiscais, para comprovar que elas estariam associadas às CPR executada, o que não ocorreu. 11. Assim, a meu sentir a perícia realizada não atendeu o seu mister, uma vez que não consegue rechaçar o argumento e a demonstração de que as somas das notas fiscais representativas das entregas efetivas dos produtos revelavam valor substancialmente inferior aos valores das CPR’s, bem como porque não considerou alguns pagamentos realizados pelos embargantes/apelantes e fez incluir notas fiscais não atreladas às CPR’s que embasam a ação de execução, não podendo, portanto, ser considerada para conferir legalidade à cobrança/execução de tal CPR. 12. Certo é que, se negada pelo emissor a causa subjacente da CPR, é ônus do credor a demonstração da referida causa, no caso, a entrega dos insumos agrícolas ao embargante/apelado, o que, como dito, não ocorreu na espécie sub judice, de modo que, havendo de se aferir se houve a efetiva entrega dos insumos agrícolas pela embargada/apelada, e que tais produtos correspondem ao valor consignado na Cédula de Produto Rural em questão (nº. 03/05/2012), tem-se que tal título não se encontra revestido dos requisitos essenciais à sua exigibilidade, razão pela qual, em relação à referida CPR, a reforma da sentença é medida que se impõe. 13. Logo, conclui-se, assim, que a execução prevalece apenas em relação às CPR’s nº. 03/10/2013 e nº. 03/09/2015, devendo ser declarada nula, contudo, em relação à CPR nº. 03/05/2012. (TJMT; AC 0003952-33.2016.8.11.0005; Quarta Câmara de Direito Privado; Relª Desª Serly Marcondes Alves; Julg 13/10/2021; DJMT 15/10/2021)

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